domingo, 8 de maio de 2011

O Sorriso de Deus



“O poder é a capacidade que os homens têm de criar para os outros um destino, essa é a essência da sua perversão” 
António Alçada Baptista

Um ano após, estou de regresso a este meu recanto partilhado publicamente, sem chave de acesso, nem malabarismos pérfidos, onde partilho algumas ideias sobre a visão que tenho (sinto) das várias facetas e prismas projectadas num imenso écran a que chamamos sociedade.

Neste último ano a panóplia de patologias sociais foi exponencial, numa das fases mais redutoras do desenvolvimento social. A ditadura dissimulada existe, com vestes que nem todos sabem decifrar... refugia-se na hipocrisia das formalizações estereotipadas e caducas, e é-nos apresentada em embalagens coloridas para iludir o sentido da verdadeira luz.

Existe uma perigosidade real, por vezes com laivos caricaturais, de no futuro que é o hoje consciente, as pessoas serem tratadas como coisas,  controladas e cilindradas por sociedades secretas... mas há quem recuse compactuar com o circuito fechado, irradiado em tentáculos poderosos no domínio da justiça, da política, da economia... 

Para alguns a inteligência mantém-se na razão, nos números, nas formas e fórmulas arquitectadas para provar a estupidez reinante... mas de reinos e tronos ocos está este mundo mais que povoado. E a inteligência emocional e espiritual onde fica na encefalia destes senhores reinantes?  

Há uns dias ouvi uma notícia, que não sendo importante, revela o lado caricatural destes políticos mesquinhos, traçado a régua e esquadro escamados,  mas de arquitectura e arte nada entendem, e provavelmente estão na era da desaprendizagem da tabuada decorada  ou do nome seguido no estreitamento cronológico de todos os reis e rios... sem entenderam o sentido das leis da natureza e da matemática, como o fluir da história da humanidade lida por dentro da alma...  ora, a notícia, dizia assim: "quem não responder aos censos 2011, será multado e terá um polícia à porta" - um pequeno exemplo da estupidez que nem na época medieval existia, quando se queimavam livros e gentes, com medo de revelação de algumas verdades anti-sistémicas.

Será que alguém se interroga sobre as grandes mudanças interiores do ser humano? Claro que não, pois o que importa para os sisudos formais, que se esqueceram que tudo nasce de dentro e não o inverso, continua a ser esta ditadura económica dos números, dos défices, das metas orçamentais, das concorrências, das competitividades, das sustentabilidades, das formalidades sem substância… e outras "ades" que substituo por "odes"… pelo valor da palavra, da importância do Amor, do sorriso, da solidariedade activa, do despojamento de velhos egos, e da entrega incondicional à vida que pulsa de dentro para fora…

Desde a política à justiça, que encontramos muitos casos que ilustram em tons desconectados, a redoma sépia e macambúzia dos sorumbáticos  do sistema perverso. As regras hipócritas que subsistem, à custa de jogos e manigâncias da classe política, das infiltrações de sociedades secretas, nomeadamente em processos judiciais, em compadrio com sectores da actividade económica…

Enquanto cada um não entender que a verdade vem da integração dos opostos e não da separação dos mesmos, vamos continuar nos jogos castradores da justiça e da verdade, das mentiras moldadas na forma  e na falta substancial dos descompensados de paz e de harmonia...

Mas, Deus continua a sorrir… em silêncio …

“… passamos a vida a medir as sombras da Terra, é tempo de começar a decifrar a escrita dos céus…”, António Alçada Baptista, in “O Riso de Deus” [1994].


quarta-feira, 21 de abril de 2010

Abril É Um Rio...



Abril terra de mil sabores, cores e amores… 
Abril volta a fazer sentido, entre intuições e deduções quase silogísticas. Abril guarda o sabor de todas as sinestesias rebeldes, do toque ardente das percepções oriundas da alma, sentidos cruzados numa panóplia de cruzes esféricas, enternecidas por todos os abraços.
Abril anda por aí, à solta dentro de mim, de ti… de nós, do tempo que não queremos certo ou recortado no rigor da métrica, das fragrâncias bebidas em travos adocicados, dos cravos saboreados como um licor dos Deuses,  das ondas cristalinas deste novo mar, do silêncio como expansão duma nova linguagem, das tuas mãos nas minhas redescobrindo a terra encantada, num cântico que queremos condescendente e Universal.
Abril é a semente benigna desta vidência ancestral, árvore de mil verdes onde brotam mil olhares de vidas Unas...
Abril acontece-me em todos os momentos…
e uma estrela voltou a brilhar...
em Abril...



Deixo-vos com uma passagem dum livro que reli num só fôlego, pois acredito que os milagres acontecem quando os deixamos acontecer…

 " - As pessoas têm estrelas que não são as mesmas. Para os viajantes, as estrelas são guias. Para outros, não passam de luzinhas. Para outros, os cientistas, são problemas. Para o meu homem de negócios, eram ouro. Mas todas essas estrelas estão caladas. Tu, tu vais ter estrelas como mais ninguém...
     - O que é que isso quer dizer?
     - À noite, pões-te a olhar para o céu e, como eu moro numa delas, como eu estou a rir numa delas, para ti, é como se todas as estrelas se rissem! Vais ser a única pessoa do mundo que tem estrelas capazes de rir!"

Antoine de Saint-Exupéry, in "O Principezinho"

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Coros e Cortejos












Um velho disco de jazz toca do outro lado da sala, entretanto, descanso o olhar no quadro que preenche uma das paredes do meu escritório: "A Apoteose de Homero", do Dalí, um dos meus pintores de sempre, como quase todos os surrealistas. A reprodução da tela que tenho, foi adquirida numa loja de gravuras em Paris, há mais de quinze anos, num tempo em que acreditava na felicidade como fim possível e tocável, sem qualquer espécie de surrealismo, a tendência que mais me toca nas diversas faces da arte.

Na vida nada é embutido e todos os embustes caem, quando na imediação do olhar o verdadeiro sopro da vida acontece. No final do ano de 1999 tive um problema de saúde grave. Há coisas que me transcendem, e esta foi uma delas, pois encontrei o médico certo no momento certo, que prestava serviço no público e no privado. Mas as estruturas do sector público não me deram resposta a nada… felizmente tive a possibilidade de pagar a intervenção cirúrgica, tendo passado dez dias numa espera que hoje recordo como tendo sido os piores dias da minha vida. Na noite que fiz 33 anos fui submetida à referida intervenção cirúrgica, de alto risco (só mais tarde tive conhecimento da gravidade da situação!), e passados dez anos sempre que revejo o médico que me acompanhou, sei qual o sentido certo da palavra gratidão... talvez, por isto e algo mais, acredite que o céu nunca se engana...

Foi nesse dia que tive de optar, entre um hospital público que não me deu qualquer data previsível para a cirurgia e o hospital privado (para os lados de Benfica...), que tomei a verdadeira consciência do país onde nasci. Nesse momento deixei de acreditar no Estado de Direito Democrático, por todos os motivos e muitos mais…

Quem tem a possibilidade de optar, será mais livre do que quem não tem? Claro que sim... Só pode escolher quem tem essa hipótese, nomeadamente na área da saúde e da educação. Rendimentos de magros Euros no final do mês , cerceiam ao cidadão essa escolha, que poderá ser entre a vida e a morte. A Constituição da República Portuguesa, diz que todos temos direito à saúde, à educação, à justiça, à habitação... As utopias das  leis programáticas e hipócritas são isso mesmo, o sonho que nunca acontecerá neste cortejo dum Estado remetido à fraude dele próprio.

O ano passado tivemos um exemplo escandaloso dos doentes que ficaram com lesões oculares graves, num hospital público da área de Lisboa. Existem excelentes profissionais na área da saúde em Portugal, mas são as estruturas que falham, as atribuições, as competências, as hierarquias e as burocracias. Numa palavra: falha a forma.

Por isso, quando vejo estes senhores em jeito de pinguins, todos os dias com a mesma lenga-lenga, com as escutas e as escutinhas para trás e para a frente, com discussões ocas de sentido quanto ao segredo de justiça, quanto à separação de poderes (que não existe!), com a quantidade de leis feitas para casos concretos (não nos esqueçamos do processo Casa Pia...), pergunto: que legitimidade têm estes senhores, desde os legisladores incompetentes que elaboram umas leis consoante faça sol ou chuva ou a cor do arco-íris pela qual pensam estarem a ser irradiados, até aos magistrados que as aplicam, uns duma forma competente e séria, outros abusam do dito poder (?) discricionário, sob a alçada de sociedades secretas, interesses de grandes grupos económicos e muito mais que não se fala, perseguem cidadãos inocentes, fantoches dum qualquer "menino do coro" e assim cantam a canção da mentira, fazem desaparecer documentos de processos… e o resto, que é tudo que está por contar...

Vamos lá meus senhores à substância, pois de formas recheadas de incompetência balofa, anda este país entalado… entre coros e cortejos!


Comecei com  Dalí e acabo com as palavras de Sepúlveda:
 
  “Quando nós, homens, falamos da humanidade, designamos uma grande família cujo maior tesouro é a diversidade de raças, línguas, cor da pele, costumes, o modo distinto de se relacionar com a vida e com a morte. E essa família tão diferente tem, no entanto, o componente comum que faz de nós humanos: a consciência dos direitos humanos e a urgente necessidade de serem estes a constituir a única norma para organizar as nossas vidas.”
                    
Luis Sepúlveda, in “O Poder dos Sonhos” [2004]


Foto 1: tela a óleo de Salvador Dalí, pintor surrealista [Figueras, Catalunha: 1904 - 1989], in "A Apoteose de Homero" [1944-45], com subtítulo "Sonho Diurno da Gala", que aparece deitada à direita, tendo-a conhecido em Paris em 1929, sendo esta casada à data com Paul Éluard. 
Acabaria por se casar com ela em 1934. 
A obra encontra-se exposta na "Staatsgalerie Moderner Kunst", em Munique.

Foto 2: eu em 1999, três meses antes do que poderia ter sido o meu fim, nesta breve passagem, por aqui...



quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Corpos ocultos (em queda)













Regresso a este espaço que criei com o sentido de revelar situações vergonhosas do tecido social, e eu que nasci antes do 25 de Abril  mas tenho fracas memórias do tempo do fascismo... Recordo-me de estar em casa do meu avô paterno, alfaiate reconhecido da praça lisboeta, vestiu muitos políticos e artistas que não lhe pagavam os fatos... o meu avô Romano é uma das referências da minha vida, quando em casa dele tinha-mos que falar baixinho, pois podíamos estar a ser escutados. Quase 36 anos depois, juro que não me vou calar, apesar  das intimidações para não falar serem grandes...
   
Frágil é a vida, diante da arquitectura desenhada pela mão dos homens, edifícios obtusos, construções cheias de ângulos, estratégias e defesas, difamações e acusações, mentiras e misérias, formas extenuadas e substâncias famintas, números sustentados e palavras que ficam à espera do vazio, hipocrisias e ironias…

Esquecemos de fechar os olhos e acreditar na pulsação do coração, de erguer os braços ao Universo e agradecer a imensidão que somos. Isolamo-nos de quem amamos, aproximamo-nos de quem aparentemente nos facilita o que ainda chamamos vida.

Sobreviventes dos jogos processuais, funcionários duma vida pontuada, onde só os objectivos e as estatísticas predominam, horários sem horas que inundam os dias, segundos sem momentos que afundam as noites, primeiros no “ranking” do cortejo grotesco da litigância e últimos no toque aveludado da paixão.

A disponibilidade para amar é um risco para alguns, um precipício para outros, uma tentativa para poucos.

Como se congratularão os infelizes das horas vãs, do trabalho em jeito de marioneta, dos senhores que nos sugam incredulamente o hierário público, dos despachos pontiagudos que superiores hierárquicos reconfirmam a mais quadrada mentira, de senhores magistrados (quiçá, Sr. Desembargador!) do embargo encalhado, na teia da sua própria calha…

Como dizia o Dr. Marinho Pinto numa entrevista recente: há magistrados cientes do seu trabalho, outros que são… o que não escrevo por aqui, por respeito aos bons profissionais da classe, que felizmente ainda existem. Continuo à espera duma resposta do Sr. Juiz (?) desembargador  quanto ao desaparecimento misterioso dum documento... ah, e será que aprendeu na faculdade onde se provam as causas de exclusão da ilicitude? Parece que está esquecido, ou quererá que o esquecimento o abone? Será que o Tribunal da Relação de Lisboa tem "bicharocos ruminantes" ávidos de "papiros modernaços" ou existirá uma conspiração secreta (quiçá, Sociedade Secreta!) que faz desaparecer documentos e coisa e tal…

Felizmente que reencontrei a minha paz, pois caso contrário já algumas cabeças com défice encefálico tinham rolado. É que não saltamos à corda todos ao mesmo tempo...




Entre o pensamento de Freud e Jung, revejo-me mais na psicanálise do segundo autor, mas deixo-vos com uma passagem de Freud que ando a reler por motivos académicos.


“A sublimação dos instintos é um traço particularmente proeminente da evolução da civilização, é aquele que permite que actividades psíquicas superiores (científicas, artísticas, ideológicas) desempenhem um papel tão central na vida da civilização.”

Sigmund Freud, in “O Mal-Estar na Civilização” [1930]


Foto 1 e 2: "Golconda", de René Magritte [1953]

Foto 3: eu e o meu avô Romano, em 1969 (e tanto que me ensinaste em tão pouco tempo que estivemos juntos...)

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Entre a definição e a (in) definição




Vivemos um momento social muito pobre do ponto de vista do desenvolvimento social, mas frutífero na óptica de observação dos visionários, dos que procuram viver num estado de presença, dos que não tentam encontrar na consciência uma definição da forma, mas a eterna indefinição da substância humana.
Todos os processos dedutivos falham redondamente no território da psicologia emocional, espaço onde a indução prevalece. Essas certezas das definições e dos conceitos sólidos, dos formalismos processuais jurídicos, são fruto da pequenez humana, da mesquinhez dum labor que se quer fácil e dito objectivo.
 Existe uma verdade maior comum a todos os seres humanos, destruída pelas rudimentares verdades (?) formais, por feições estanques sem alma, por estereótipos vestidos de divisões e barreiras sem sentido.
O tempo tornou-me mais tolerante, mas ao mesmo tempo mais inquieta nesta quietude de acreditar cada vez mais na voz do coração, no sentir que nasce do que vulgarmente denominamos Alma, mas que não sabemos definir, essa dança livre sem ortodoxias rígidas, que assiste à indefinição dos limites da rebentação de cada onda do mar.
Um dia alguém me disse que baralhava conceitos, como sabedoria e conhecimento. Talvez, mas sei que o verdadeiro saber nasce do sentir, e que conhecer é muito pouco. Sei que o tempo relativiza os pensamentos e que os murmúrios do oceano serão sempre indefinidos.
 Há coisas que não entendo, nesta dita definição que os legalistas gostam de pensar que vivem. A hipocrisia que reina na sociedade e em particular entre alguns magistrados e políticos deste país deixa-me mais leve, pois sei que não é por ali que vou, como diz o poema do Régio…
São muitas as coisas que talvez um dia conte por aqui ou por ali… mas gostava de saber como desaparecem documentos dum processo judicial e outros nem são lidos por quem de direito. Mas isto, são águas a serem explanadas na corrente que o tempo guarda…
E com estas indefinições tão definidas, resta-me citar Gibran:

 O Conhecimento

Não digais: achei a verdade.
Mas antes: encontrei uma verdade.
Não digais: encontrei o caminho da alma,
mas antes: encontrei a alma no caminho.
Porque a alma pisa todos os caminhos.
A alma não anda sobre uma linha
mas cresce como a árvore.
A alma desdobra-se como uma lótus
de inúmeras pétalas.

Khalil Gibran (*), in “O Profeta” [1923]
(*) filósofo, ensaísta, poeta e pintor: nasceu em Bsharri (Líbano) em 1883 e faleceu em Nova Iorque  em 1931.

Fotos: estátua de Khalil Gibran, em Bsharri (localidade perto de Beirute – Líbano).

domingo, 8 de novembro de 2009

Faces ou Fases Operativas?


O remoinho social em que vivemos assombra qualquer possibilidade de criar um espaço, onde a liberdade e a dignidade da pessoa humana sejam o ponto central nesta topografia social.

É quase norma instituída para o poder corrosivo, com máscaras abrasivas, o insulto gratuito, a difamação descomprometida… estas teias faciais sem rosto, onde o apadrinhamento impera e rasteja. Operações e cálculos sem ciência, golpes de engano embutido... é este o domínio restrito onde se movem as marionetas do poder.

Quem tem a prerrogativa constitucional para investigar (investigações pagas com o dinheiro dos contribuintes, não o esqueçamos…), não entende que o que é preciso não são mais meios, mas uma maior isenção, pois o sistema está minado, com infiltrações cada vez mais visíveis, falhas mestras que alastram no âmago da democracia.

É preciso mostrar trabalho, mesmo que para tal se atropelem os direitos básicos dos cidadãos. Assistimos quase diariamente a episódios descompensados e profundamente infelizes.

Um exemplo entre tantos: há uns dias, parada num engarrafamento de trânsito, assisti a mais uma cena lamentável que envergonha esta "democraciazinha" sem capacidade de evoluir. Um carro da P.J.,assinalando a sua marcha prioritária com a sirene azul (de acordo com o código da estrada) foi passando por entre as viaturas paradas, até que uns três ou quatro carros à minha frente, um dos senhores que seguia nessa viatura não identificada, solta um palavreado impróprio para o condutor duma viatura que não se desviou. Fiquei estupefacta, com as palavras que não reproduzo aqui... não queria acreditar que sendo a P.J. uma polícia com uma preparação qualificada e específica (muito diferente da PSP e da GNR) pudesse um dos seus agentes ter um procedimento daqueles, como se o salazarismo ainda imperasse por aqui.

Por vezes, penso que sim, e uma nova revolução urge nesta urbe com pouca urbanidade, chamada “portus cale”

E assim, vamos continuar com as operações ocultas, negras, brancas ou cor-de-rosa, pois o espectáculo a que a justiça se submete é decadente. A justiça não assenta em valores ou princípios economicistas, como nos querem fazer crer, mas sim na dignidade humana. A criminalidade económico-financeira deve ser combatida, sem dúvida, mas com o respeito que nos devem os senhores a quem pagamos os salários no final do mês…

pois, esta dança tosca de investigações que só tem como objectivo, a rotação decrépita das cadeiras e outro mobiliário do poder instituído, já aborrece!


E o Futuro começa Hoje…


“Os próprios Gregos também se sentiram presos no tempo e no espaço. O Camões, inclusivamente, ensinou, na Ilha dos Amores, que a pessoa só está presa no tempo e no espaço quando não é criador… a ilha dos Amores foi criada pela deusa da criatividade. Foi ela que fez aquilo e que depois veio falar aos portugueses. Falar de quê? Falar de Futuro!”

Agostinho da Silva (*), in “A Última Conversa” [1995]


(*) filósofo, poeta e ensaísta português nasceu no Porto a 13 de Fevereiro 1906 e faleceu em Lisboa a 3 de Abril 1994.


Imagem 1: desenho de Marta Koll.
Imagem 2: contracapa do livro referido, com citações de Agostinho da Silva.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Nação sem Inscrição


Acredito que as energias positivas são cruciais para um percurso mais equilibrado, mesmo nos momentos incertos em que a harmonia se desarmoniza, pois o melhor bem que alguém ou uma nação pode ter (não gosto do verbo possuir…) é ser saudável. A saúde é muito mais que um bem físico, ela é também a capacidade de comunicar com os outros no cômputo das divergências, pois a transferência de litígios para terceiros, o "passar a bola" não a querendo agarrar, consubstancia a redução do ser humano e do espaço onde não se inscreve, seja esse espaço público ou privado.
E não estou a falar de futebol, pois não gosto, mas respeito quem consegue estar cinco minutos a ver uns sujeitos a correr atrás dum objecto redondo… e falar-se desse objecto com o acervo dum debate nacional… é o que merecemos, provavelmente!

Com a conclusão das eleições legislativas e autárquicas, temos os senhores e senhoras a arrumar as suas ”casinhas”, como quem arruma livros numa estante de madeira nobre. No fundo, nada mudou nos alicerces do pensamento deste espaço geográfico a que chamamos Portugal e a sua falta de inscrição activa.

Continuamos com esta ”lenga-lenga” rotineira a que o povo se habituou e do qual não quer sair. No momento do voto, desconhecem-se as equipas adstritas a cada ministério dos diversos candidatos concorrentes, o que é um erro crasso na nossa democracia semi-parlamentar. As caras, os rostos, as pessoas… são fundamentais, elas são o barro que moldam as ideias e as práticas... quando existem, o que é cada vez mais raro, para não dizer inexistentes.

Vamos continuar com os problemas na educação, na saúde, na justiça… e quanto, a esta última temos que ter consciência que há muito que deixamos de ter uma justiça judicial, temos uma justiça administrativa, onde a vocação passou a funcionalismo público, na generalidade dos casos, com as devidas e veneradas excepções. Com o “processo de Bolonha”, temos uma formação académica cada vez mais precoce, com os riscos subjacentes à falta de maturação. Acontece com os professores, com os médicos, com os magistrados… A existência duma idade mínima para aceder a determinadas carreiras, é algo que deveria ser debatido com urgência, pois esta precocidade contém riscos graves nas mais diversas áreas sociais, mas disto não se fala, não dá jeito ao sistema instituído.

Sou contra qualquer tipo de obrigatoriedade imposta, e há muito que as teorias penais retributivas não fazem qualquer sentido, assim como as teorias penais de prevenção geral e especial estão profundamente erradas na sua génese, como têm demonstrado na prática. A reforma das leis penais, vai ser mais um fiasco, pois não se debate o cerne da questão: a responsabilização da inscrição de cada cidadão no destino da Nação, que dizem ser Portugal…

Deveria ser recomendado aos estudantes do ensino secundário a leitura dum livro fabuloso, de José Gil: “Portugal, Hoje – O Medo de Existir”. Mas, também deve ser incómodo e prolixo para o sistema que dexamos instituir no nosso dia a dia, como meros assistentes numa plateia sem luz.

Quem não leu o livro, recomendo-o… livremente, como sou e serei… Sempre!

"Em Portugal nada acontece, «não há drama, tudo é intriga e trama».
… recusa imposta ao indivíduo de se inscrever.
… consciências vivem no nevoeiro.
… coexistência de ideias incompatíveis numa consciência clara que as une e faz delas «pensamento». O que supõe o nevoeiro invisível ou sombra branca.
… código penal português… o espírito «machista» que inspirou a redacção dessas leis…
… a consciência que resulta da não-inscrição vai conduzir o indivíduo português a familiarizar-se com espaços crepusculares, com o «entre-dois» de todas as alternativas que se erguem no seu caminho. Não implica isso que ele entre numa «atmosfera subliminar», ou ganhe não sei que textura amorfa da consciência."



José Gil, in “Portugal, Hoje – O Medo de Existir”(*) [2004]
(*) capítulo II: O país da não-inscrição.






Imagem: Tela a óleo "Chichister Canal"[1828], de William Turner (**), exposta na "Tate Gallery", em Londres.
(**) Pintor romântico-impressionista (Londres, 23 de Abril de 1775 - Chelsea, 19 de Dezembro de 1851)